Ministério Público e saneamento

Ministério Público e saneamento

Como no Brasil ainda estamos, infelizmente, muito longe de atingir o atendimento de toda a população com água potável e coleta-tratamento de esgotos, é preciso elencar prioridades e avançar com método rumo à universalização do serviço, colhendo inicialmente os 'frutos mais baixos'. 

A primeira coisa a ser feita é levar água para toda a população. Uma vez atingido esse objetivo, a nova tarefa é construir redes coletoras de esgotos para proteger a saúde, principalmente a das crianças. A terceira e última tarefa é construir estações de tratamento de esgoto para proteger o meio ambiente. 

Naturalmente, é desejável fazer 'barba, cabelo e bigode' de uma só vez. Isto é, implantar a infraestrutura do ciclo completo de saneamento básico. 

A obviedade dessa constatação explica a impaciência do Ministério Público com a aparente inoperância de empresas de saneamento que levam anos –aliás, conforme previsto na lei nº 1.1445, de 2007– para construir e operar a infraestrutura necessária à prestação completa dos serviços. Da impaciência ao voluntarismo judicial do Ministério Público, basta um pequeno passo. 

O mais típico é o promotor público de uma comarca qualquer ajuizar determinada ação para obrigar a concessionária de saneamento a construir toda a infraestrutura no prazo de alguns meses. 

Em sendo acolhida a tese, a concessionária é forçada a mudar o plano de investimentos no sentido de apressar as obras nessa comarca, mesmo que a qualidade e a abrangência do serviço sejam superiores à média das outras cidades. 

Se a decisão for mantida pela instância superior, a concessionária deverá retirar recursos originalmente destinados a áreas com pior atendimento. Por exemplo, em locais desfavorecidos em que o esgoto ainda corra a céu aberto. 

Na prática, o pedido formulado pelo Ministério Público, se acatado, favorece os menos necessitados em desfavor dos mais necessitados. 

Os promotores que agem dessa forma provavelmente são movidos pelos melhores propósitos. Frequentemente, porém, falham em enxergar as consequências deletérias de suas ações. Não sobre os acionistas das empresas estatais, mas, sim, sobre as populações que são mais carentes. 

Poderia ser diferente. Afinal, o Ministério Público dispõe de grupos de coordenação, como é o caso do Gaema (Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente), que deveria proporcionar a seus membros uma visão sistêmica do assunto que permita preservar o princípio da igualdade. Por que o cidadão de uma cidade X teria mais direito do que o de uma cidade Y? 

Também os governos e as empresas estatais, como é o caso da Sabesp, poderiam melhor explicitar quais são as repercussões sistêmicas de eventuais decisões que beneficiem uma particular localidade. Nesses casos os vencedores são sempre conhecidos. É preciso identificar também os perdedores. 

JERSON KELMAN, 67, engenheiro civil, é diretor-presidente da Sabesp 

 

Fonte: Folha de São Paulo, Opinião, Online.